O universo quantico


                                                                                                     Ricardo C. Mastroleo

Paralelamente aos extraordinários desenvolvimentos trazidos pela Teoria da Relatividade, o início do século XX também viu as pesquisas em física mergulharem no mundo do átomo e das partículas subatômicas na tentativa de se entender os blocos básicos que compõe a matéria. 

Nessa época algumas propriedades atômicas de vários elementos quimicos já eram conhecidas (embora ainda não entendidas), assim como o elétron e o núcleo atômico ja haviam sido descobertos (em 1897 e 1911, respectivamente). Os trabalhos teóricos do fisico alemão Max Planck (1858 – 1947), em 1900, explicando a radiação emitida por objetos incandescentes (como, por exemplo, o filamento de uma lâmpada acesa) e de Einstein, em 1905, explicando o efeito fotoelétrico, revelaram uma característica muito peculiar dos átomos e seus constituintes, em que estes só conseguem absorver ou emitir energia em quantidades específicas, chamadas de quantum (ou quanta no plural), em flagrante desacordo com a mecânica newtoniana. 

Tomemos como exemplo o comportamento de uma bola de bilhar ao receber uma tacada. Não há quem possa discordar do simples fato de que, quanto mais forte for a tacada (ou em outras palavras, quanto maior for a energia que o taco transfere para a bola), maior será a velocidade da bola (ou em outras palavras, maior será a energia cinética absorvida pela bola). Ou seja, qualquer que seja o valor da energia transferida pelo taco, o mesmo valor de energia será  absorvida pela bola, fato este que está de pleno acordo com os princípios da mecânica newtoniana. Entretanto, o átomo não parecia se comportar da mesma forma. O que as observações e os trabalhos teóricos de Planck e Einstein revelavam era que o átomo conseguia somente absorver (ou emitir) certos valores de energia, ou quanta, ignorando as “tacadas” que lhe transferissem outros valores de energia. Esse comportamento “quântico” do átomo não podia ser explicado pela mecânica de Newton. 

A gestação de uma nova mecânica, a mecânica quântica, estava iniciada. Duas décadas se passaram até que novos conceitos teóricos que explicassem o estranho mundo do átomo pudessem se consolidar na formação do que hoje conhecemos como a mecânica quântica. Dentre esses conceitos os mais notáveis foram o primeiro modelo quântico do átomo, publicado em 1913 pelo físico dinamarquês Niels Bohr (1885 – 1962), o qual descreve com sucesso algumas propriedades do átomo de hidrogênio (o átomo mais simples que existe, formado de um núcleo atômico e um elétron), e a ideia revolucionária do francês Louis de Broglie (1892 – 1987), que em 1924 propõe que partículas subatômicas possuem propriedades ondulatórias. Um ano mais tarde, experiências envolvendo a colisão de elétrons em cristais de níquel confirmaram as propriedades ondulatórias do elétron. A física se deparava pela primeira vez com a natureza dualística da matéria, cujos componentes básicos, ora se nos apresentam como partículas, ora como ondas. Inspirado nas idéias de de Broglie, o austríaco Erwin Schrödinger (1887 – 1961) publica em 1926 a sua mecânica ondulatória contendo o formalismo matemático que se tornaria a base da mecânica quântica que hoje conhecemos. Esse formalismo permite descrever através das soluções da equação de Schrödinger, que é uma equação que descreve uma onda (similar àquelas usadas no estudo da luz ou do som), o comportamento de uma ou mais partículas se as forças que nelas agem e as condições iniciais a que elas foram submetidas são conhecidas. 

Aplicada ao átomo de hidrogênio, a equação de Schrödinger conseguia descrever com sucesso propriedades desse átomo que o modelo de Bohr falhava em explicar. O papel que a equação de Schrödinger desempenha na mecânica quântica é o mesmo que o das equações de Newton desempenham na mecânica newtoniana. Entretanto, suas soluções têm significados substancialmente diferentes. Enquanto que a solução das equações de Newton descreve a trajetória do corpo em estudo, fornecendo com ela a posição exata do corpo e sua velocidade em qualquer instante, a solução da equação de Schrödinger (também chamada de função de onda) está associada apenas com a probabilidade que a partícula tem de estar numa certa posição num certo instante. 

Como veremos a seguir, as implicações físicas e filosóficas dessa diferença são enormes. A interpretação probabilística da função de onda requer uma reavaliação do significado de se fazer uma medida num sistema quântico. Por exemplo, suponha que uma partícula seja descrita por uma função de onda que, em qualquer instante, tem a mesma probabilidade (não nula) de estar em qualquer posição entre dois pontos, digamos, A e B e probabilidade nula de ser encontrada em qualquer outro lugar. Apesar da função de onda ser capaz de dizer quais as posições em que são mais ou menos prováveis de se encontrar a partícula (a probabilidade não precisa ser a mesma para todas as posições), a sua posição só será determinada ao se fazer uma medida. Suponha que o experimentador ao realizar a medida descubra que ela está no ponto P (obviamente localizado em algum lugar entre A e B). Uma pergunta pertinente que pode ser feita é: onde estava a partícula imediatamente antes da medida ter sido realizada? Duas possíveis respostas a essa pergunta refletem a divisão que surgiu na época com relação à interpretação de se fazer uma medida em mecânica quântica:

1. A partícula já estava na posição P e a medida feita pelo experimentador simplesmente confirmou este fato. Nesse caso, se pode dizer que a mecânica quântica se mostra incapaz de prever com exatidão a real posição da partícula e, portanto, está incompleta. Algo mais seria necessário incorporar se à teoria para que ela pudesse conter uma descrição completa da partícula. Einstein era defensor desta resposta. Ele se recusava a aceitar o caráter probabilístico da natureza e sua famosa frase “Deus não joga com dados” ilustra a sua posição a esse respeito. 

2. A partícula não estava em nenhum lugar específico, mas o ato da medida feita pelo experimentador a obrigou a se posicionar no ponto P. Essa era a posição defendida por Bohr, conhecida como a interpretação de Copenhague e que acabou se tornando a interpretação até hoje mais comumente aceita. Mas essa interpretação tem que explicar também o fato real e observado de que logo após a primeira medida, uma segunda medida da posição da partícula resulta novamente no mesmo valor P. Mas o que acontece com a função de onda, que antes da medida ter sido feita descrevia a partícula como podendo estar em qualquer posição entre A e B? Isso não significa que uma segunda medida poderia resultar em qualquer outra posição entre A e B? Segundo a interpretação de Copenhague, o ato da medida causa o colapso da função de onda ao valor medido. Isto é, após a medida, a função de onda passa a descrever a partícula com uma única possível posição onde ela pode estar: o ponto P. 

Um outro aspecto bastante peculiar das partículas subatômicas nos foi revelado pelo alemão Werner Heisenberg (1901 – 1976). Ele descobriu que existe um princípio básico da física quântica que proíbe certos pares de observáveis físicas de serem medidas simultâneamente com a mesma precisão. Esse princípio é conhecido como o princípio da incerteza. Por exemplo, é impossível se medir simultâneamente com a mesma precisão o momento (e portanto a velocidade) e a posição de uma partícula. A medida bastante precisa, digamos, da velocidade da partícula naturalmente introduz uma incerteza muito grande na medida de sua posição. Essa inevitável imprecisão não é de forma alguma devida à má qualidade do aparato ou à falta de cuidado do experimentador, mas sim à natureza intrínseca das partículas subatômicas. 

A inabilidade que temos em saber com exatidão e ao mesmo tempo a velocidade e a posição de uma partícula inviabiliza completamente o conceito de trajetória em mecânica quântica. Se sabemos onde a partícula está, mas não sabemos qual a sua velocidade, fica impossível saber onde ela estará no futuro ou esteve no passado. A situação não melhora  se sabemos com exatidão a velocidade da partícula, pois aí perdemos o conhecimento de onde ela está, e conseqüentemente de onde ela esteve ou estará. 

O determinismo que sempre permeou a mecânica clássica, não mais pertence ao domínio da mecânica quântica. Teve que ser abandonada a visão determinística da mecânica clássica em que o universo funciona como uma máquina de grande precisão onde, uma vez conhecidas as condições iniciais que a puseram em funcionamento, o seu desenvolvimento futuro pode ser sempre determinado. No mundo subatômico, governado pelas leis da física quântica, uma vez conhecidas as condições inicias de um sistema, o melhor que se pode determinar é a probabilidade que o sistema tem de no futuro se encontrar num dos seus vários possíveis estados. 

Mas porque não vivenciamos esses efeitos quânticos no nosso dia a dia? 

Afinal ao larga uma pedra, esta sempre cairá numa trajetória bem definida, verticalmente em direção ao chão, e se a largar sempre do mesmo ponto, ela também cairá sempre no mesmo lugar. 

Porque na nossa interação diária com objetos materiais, esses efeitos probabilísticos da mecânica quântica não parecem se manifestar? 

A razão é que nós interagimos com objetos muito maiores do que as partículas subatômicas, e nesses objetos, os efeitos quânticos se formam desprezíveis de tão pequenos. De fato, a mecânica quântica se reduz à mecânica clássica no limite em que o tamanho dos objetos do sistema em estudo se torna muito maior que o das partículas subatômicas 

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