Particula

 Almir Caldeira


Assim, mesmo falando de apenas uma partícula, nos vemos obrigados a associá-la a uma onda para que possamos dar conta da característica ondulatória presente no nosso exemplo. Por outro lado, devemos relacionar esta onda à probabilidade de se encontrar a partícula em um determinado ponto do espaço para podermos entender os resultados de uma única experiência de apenas uma partícula. Este é o chamado princípio da dualidade onda-partícula. 

Um outro fato intrigante ocorre quando tentamos determinar por que fenda a partícula passou. Para resolver esta questão podemos proceder fechando uma das fendas para ter certeza que ela passou pela outra fenda. Outra surpresa: a figura de interferência é destruida dando lugar a apenas uma concentração bem localizada de partículas, a daquelas que passaram pela fenda aberta! Portanto, ao montarmos um experimento que evidencia o carater corpuscular da matéria, destruimos completamente o seu carater ondulatório, ou seja, o oposto ao caso com as duas fendas abertas. Este é o princípio da complementaridade. 

De uma forma geral podemos interpretar os resultados do experimento aqui descrito como os de um sistema sujeito a uma montagem na qual o seu comportamento depende de alternativas A e B (no nosso caso, a passagem da partícula por uma das fendas). Enquanto que na mecânica clássica o sistema escolhe A ou B, aleatoriamente, na mecânica quântica estas duas alternativas interferem. Entretanto, ao questionarmos, ou melhor, medirmos, por qual alternativa o sistema opta, obteremos o resultado clássico. 

Um sistema quântico, ao contrário do clássico, só pode ser descrito através das possíveis alternativas (não necessariamente apenas duas) que a nossa montagem apresente para ele. A onda associada ao sistema carrega a possibilidade de interferência entre as diferentes alternativas e é a informação máxima que podemos ter sobre o sistema em questão. 

A aplicação desta teoria a problemas nas escalas atômicas e sub-atômicas apresenta resultados como a quantização da energia ou o tunelamento quântico que, por si só, já mereceriam a elaboração de um outro artigo para que o leitor pudesse apreciá-los. 

O mais interessante é que a mecânica quântica descreve, com sucesso, o comportamento da matéria desde altíssimas energias (física das partículas elementares) até a escala de energia das reações químicas ou, ainda de sistemas biológicos. O comportamento termodinâmico dos corpos macroscópicos, em determinadas condições, requer também o uso da mecânica quântica. 

A questão que nos resta é então; por quê não observamos estes fenômenos no nosso cotidiano, ou seja, com objetos macroscópicos? Bem, há duas razões para isso. A primeira é que a constante de Planck é extremamente pequena comparada com as grandezas macroscópicas que têm a sua mesma dimensão. Baseados neste fato, podemos inferir que os efeitos devidos ao seu valor não nulo, ficarão cada vez mais imperceptíveis à medida que aumentamos o tamanho dos sistemas. Em segundo lugar, há o chamado efeito de descoerência. Este efeito só recentemente começou a ser estudado e trata do fato de não podermos separar um corpo macroscópico do meio onde ele se encontra. Assim, o meio terá uma influência decisiva na dinâmica do sistema fazendo com que as condições necessárias para a manutenção dos efeitos quânticos desapareçam em uma escala de tempo extremamente curta. 

Entretanto, as novas tecnologias de manipulação dos sistemas físicos nas escalas micro ou até mesmo nanoscópicas nos permitem fabricar dispositivos que apresentam efeitos quânticos envolvendo, coletivamente, um enorme número de partículas. Nestes sistemas a descoerência, apesar de ainda existir, tem a sua influência um pouco reduzida, o que nos permite observar os efeitos quânticos durante algum tempo.

Uma aplicação importante para alguns destes dispositivos seria a construção de processadores quânticos, o que tornaria os nossos computadores ainda mais rápidos. Nesta situação a minimização dos efeitos da descoerência é altamente desejável pois, em caso contrário, estes processadores de nada iriam diferir dos processadores clássicos. 

Como podemos ver, tudo indica que a mecânica quântica seja a teoria correta para descrever os fenômenos físicos em qualquer escala de energia. O universo macroscópico só seria um caso particular para o qual há uma forma mais eficiente de descrição; a mecânica newtoniana. Esta pode ser obtida como um caso particular da mecânica quântica mas a recíproca não é verdadeira. 

Muitos autores, por não se sentirem confortáveis com a chamada interpretação ortodoxa ou de Copenhagen da mecânica quântica, tentam criar teorias alternativas para substituí-la. Entretanto, cabe notar que, apesar da sua estranheza, a mecânica quântica não apresentou qualquer falha desde que foi elaborada na década de 20, o que não nos proporciona evidência experimental que aponte para onde buscar as questões capazes de derrubá-la. 

Amir O. Caldeira é professor do Instituto de Física Gleb Wataghin da Unicamp.

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