Silvio Seno Chibeni
Há uma acepção popular da palavra 'teoria' na qual teoria se opõe ao que se considera "comprovado", "concreto", "real" ou de utilidade prática. Por outro lado, assume-se com boas razões que o conhecimento científico é o mais rigoroso que possuímos, tendo também inegável relevância prática, na medida em que está na base da moderna tecnologia. O que o homem comum muitas vezes não sabe é que todo o conhecimento científico é codificado por meio de teorias.
De um modo geral, podemos entender a ciência como possuindo dois grandes objetivos:
1) descrever e predizer de forma sistemática os fenômenos de um dado domínio; e
2) explicar esses fenômenos, possibilitando a sua "compreensão". A consecução de ambos esses objetivos requer a formulação de teorias para o conjunto de fenômenos investigados. Nas ciências formalizadas, como a Física e a Química, a capacidade preditiva decorre em grande parte de um formalismo matemático complexo, que permite calcular a ocorrência de certos fenômenos a partir da ocorrência de outros. O poder de explicação, por outro lado, parece depender da possibilidade de entender os conceitos e leis da teoria como contrapartes teóricas de uma realidade subjacente, formada de objetos com determinadas propriedades, que interagem entre si segundo certos princípios.
Deve-se, pois, para fins de análise filosófica da ciência, distinguir claramente os fenômenos (aquilo que é imediatamente acessível aos nossos sentidos), a teoria (conceitos, leis e formalismo) e a ontologia, ou seja, os objetos reais que, em interação com nosso aparelho sensorial, produzem em nós os fenômenos. Quando se fala na interpretação de uma teoria científica tem-se duas coisas em vista:
1) o estabelecimento de uma correspondência entre os conceitos teóricos e os fenômenos; e
2) a postulação de uma ontologia capaz de, à luz da teoria, ser entendida como a realidade subjacente aos fenômenos. Os entes dessa ontologia em geral cumprem o papel de causas dos fenômenos, contribuindo assim para a nossa compreensão de por que eles ocorrem e se inter-relacionam segundo as leis da teoria.
A teoria quântica
Na década de 1920 surgiu na física uma teoria que viria a se tornar o veículo de quase todo o nosso conhecimento da estrutura da matéria: a mecânica quântica (MQ). É ela que nos fornece os recursos teóricos para descrever o comportamento fundamental das moléculas, átomos e partículas sub-atômicas, assim como da luz e outras formas de radiação. Pode-se afirmar com segurança que a MQ é a teoria científica mais abrangente, precisa e útil de todos os tempos.
Não obstante seu extraordinário sucesso preditivo, desde a sua criação a MQ apresentou problemas de interpretação em grau sem precedentes na história da ciência. A discussão completa desses problemas requer conhecimentos especializados, não podendo pois ser empreendida aqui. Procuraremos, no entanto, indicar em termos simplificados as características conceituais da teoria quântica que levaram ao seu surgimento, e apresentar em linhas gerais as principais alternativas de solução já propostas.
As dificuldades interpretativas dessa teoria dizem respeito tanto à forma pela qual a teoria se relaciona com os fenômenos quanto ao delineamento de uma ontologia que lhe seja apropriada. A compreensão desse ponto requer uma breve menção a duas noções fundamentais das teorias físicas: a de estado e a de grandeza física. De um modo geral, estados são caracterizações básicas dos objetos físicos tratados pela teoria. As grandezas físicas são as propriedades mensuráveis desses objetos. Para efeitos de comparação, podemos lembrar que na mecânica clássica o estado de uma partícula de massa m é representado por conjunto de seis números que especificam sua posição e velocidade. Em função desses números a teoria indica como calcular os valores de grandezas físicas como a energia cinética, o momento angular, etc.
Na mecânica quântica os estados dos objetos são definidos de modo inteiramente diverso, por meio das chamadas funções de onda. É justamente dessa nova (e complexa) forma de representação dos estados que surgem quase todos os problemas de interpretação da teoria.
A Interpretação da Mecânica Quântica Silvio Seno Chibeni
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